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CASOS REPORTADOS

 

CASO 1

 

 

"Purchasing ‘legal highs’ on the Internet—is there consistency in what you get?" (Davies et al. 2010)

 

 

Nem sempre é fornecida informação ao utilizador sobre os componentes activos da droga que este acabou de comprar, ou então esta é bastante limitada.

 

Neste estudo, 26 drogas legais obtidas a partir de 5 websites diferentes, foram obtidas pelos investigadores. As amostras foram posteriormente analisadas qualitativamente em ordem cronológica de receção por um ensaio de cromatografia em fase gasosa associada à deteção por espectrometria de massa (GC-MS). Os dados analíticos foram recolhidos para determinar:

  • os constituintes iniciais das drogas legais adquiridos;

  • se os constituintes de compras individuais mudaram ao longo dos 6 meses em que decorreu a experiência.

Verificou-se que as substâncias detetadas pertenciam essencialmente às seguintes classes: piperazinas, catinonas, cafeína / efedrina e existiam ainda casos em que nenhuma droga psicoativa era detetada. 

 

Para avaliar se os constituintes de cada amostra mudavam ao longo do tempo, os investigadores decidiram comprar, uma vez por mês, no mesmo website, uma amostra que tivesse sido fornecida no mês anterior.

Verificou-se que o número de produtos que era fornecido a cada mês foi diminuindo ao longo dos meses, o que reflete alguma preocupação dos fornecedores em não serem detetados.

 

 

Figura 1: Constituintes ativos das 26 amostras em análise. Retirado de Davies et al. (2010).

Figura 2: Número de amostras fornecidas ao longo dos 6 meses de estudo. Retirado de Davies et al. (2010).

Verificou-se também que, dos produtos fornecidos em mais do que uma ocasião, apenas 15 (75%) continha os mesmos compostos em cada análise repetida. Em três produtos houve uma mudança na piperazina detetada, com 1-benzilpiperazina substituída por 1-metil-4-benzilpiperazina, ou vice-versa. Em dois outros produtos em que havia sido detetada uma catinona (4-fluorofenilpiperazina ou 3-fluromethcathinone) no mês 1, verificou-se que estas não estavam presentes nos produtos adquiridos nos meses seguintes.

Apesar de não ter havido uma variação na composição da maior parte das drogas fornecidas, verificou-se uma variação significativa no conteúdo de piperazina ou catinonas sintéticas em um quarto dos produtos analisados. Esta variação pode ser de um extremo significado clínico. De facto, diferentes catinonas sintéticas ou piperazinas podem estar associados a um diferente risco de apresentarem efeitos indesejados, pois cada substância está a associada a um perfil toxicológico típico. 

CASO 2

 

"Mephedrone use and associated adverse effects in school and college/university students before the UK legislation change" (Dargan et al. 2010)

 

A mefedrona é uma catinona sintética disponível desde 2008 mas que demonstrou alguns problemas de toxicidade associados à sua utilização. No entanto, o seu consumo é comum na população jovem, tendo mesmo sido reportado um caso em que esta substância psicoativa foi confiscada a uma criança de apenas oito anos de idade.

Existem ainda, actualmente, poucos dados sobre a prevalência do uso de mefedrona na população. Assim, o objetivo deste estudo consistia em determinar a prevalência e frequência do uso de mefedrona em jovens que frequentavam a escola ou faculdade e recolher dados sobre as fontes de mefedrona e efeitos secundários associados ao seu uso.

Para esse objetivo foi concebido um questionário voluntário e anónimo em que se recolhiam as informações demográficas básicas de cada individuo e sobre o uso prévio de mefedrona. Nos indivíduos que relatassem o seu uso prévio, informações adicionais eram requeridas sobre a frequência de uso, facilidade de obtenção, forma de administração e efeitos adversos observados. O questionário foi realizado a 1006 indivíduos dos quais 501 (49,8%) era do sexo masculino e 505 (50,2%) eram do sexo feminino. 

Dos 1006 casos em análise, verificou-se que um total de 205 (20,3%) havia experimentado mefedrona em pelo menos uma ocasião.

Desses 205 casos, 23,4% relataram o uso de mefedrona apenas numa ocasião anterior e um total de 4,4% admitiu usar a substância numa base diária. No entanto, o uso diário de mefedrona só foi relatado em estudantes com menos de 21 anos. A frequência do uso de mefedrona na população estudantil analisada está expressa na figura 3

 

Figura 3: Frequência do uso de mefedrona nos 205 casos em estudo que reportatam o uso prévio de mefedrona (Dargan et al. 2010).

Foi constatado que a mefedrona era utilizada em cinco formas diferentes (comprimido, cápsula, pó, líquido e cristalino). As formas mais comuns de mefedrona utilizadas eram a combinação de pós e cápsulas; inversamente haviam poucos relatos sobre o uso desta substância sob a forma liquida ou cristalina. Os dados estão evidenciados na tabela 1

Tabela 1: Diferentes formas de consumo de mefedrona na população em estudo. Adaptado de Dargan et al. (2010)

 

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Apesar de na altura da realização do estudo a venda de mefedrona pela Internet ser legal, a verdade é que apenas 10,7% dos utilizadores referiam esta forma de aquisição. Tal como evidenciado na tabela 2, a fonte mais comum seraim “drug dealers” que forneciam os estudantes em cerca de 50% das ocasiões. 

Tabela 2: Diferentes fontes de aquisição de mefedrona. Adaptado de Dargan et al. (2010).

Há ainda a ressalvar a facilidade de aquisição da substância psicoativa. A análise dos dados reflete que 66,6% dos utilizadores considera muito fácil adquirir esta substância, 31,3% refere que seria fácil e apenas 2,1% revela que era difícil.

Tal como evidenciado na tabela 3, uma elevada variabilidade de efeitos secundários refere ser associada ao consumo de mefedrona. Dos 205 entrevistados que relataram o uso mefedrona verificou-se que 56% relataram pelo menos um efeito adverso associado à sua utilização, sendo estes maioritariamente associados às propriedades irritantes de mefedrona. De notar que 17,6% dos usuários relataram sintomas de dependência associados à sua utilização. 

Tabela 3: Efeitos adversos experienciados pelos diferentes utilizadores.Adaptado de Dargan et al. (2010).

A proibição de venda da mefedrona em diversos países levou ao encerramento de diversos websites e smartshops onde a venda desta substância seria uma grande fonte de sucesso. Assim, prevê-se que a facilidade de acesso a esta catinona sintética seja cada vez mais difícil, aumentando o potencial para que esta substância seja adquirida ilegalmente ao nível do mercado negro ou então que novos derivados se tornem disponíveis. 

 

CASO 3

 

Raising awareness of new psychoactive substances: chemical analysis and in vitro toxicity screening of ‘legal high’ packages containing synthetic cathinones (Araujo et al. 2015)

 

Nos últimos anos tem-se vindo a assistir a um emergir de novas substâncias psicoativas no mercado europeu, sendo estas facilmente adquiridas na Internet ou através de lojas especializadas. 

Devido à legislação existente, muitas destas novas estruturas químicas d a maioria destes NPS são redesenhados a partir de moléculas psicoativas controladas, a fim de criar compostos psicoactivos alternativos, que são então vendidos como “drogas legais”, sob a forma de “sais de banho” ou “alimentos para plantas” e normalmente associadas ao rótulo “não para consumo humano”.  

A composição e pureza destes produtos é pouco conhecida devido à grande velocidade com que estes entram no mercado e rapidamente são modificados. Para além disso, o processo de deteção e identificação destas novas substâncias é difícil pois estes revelam uma grande proximidade nas suas propriedades estruturais, cromatográficas e espectrais.  

Assim, um dos objetivos deste estudo consistia em realizar a caracterização química de produtos contendo catinonas sintéticas que eram comercializados em smartshops em Portugal (antes da aprovação do Decreto de Lei 54/2013), através de técnicas de ressonância magnética nuclear (RMN) e cromatografia gasoso associada à deteção por espectrometria de massa (GC-MS). Com esse fim, 27 produtos vendidos como “alimentos para plantas”, que aparentemente continham catinonas sintéticas, foram analisados por estas técnicas. Os dados relativos à identificação da substância ativa nas diversas amostras estão evidenciados na tabela 4

Tabela 4: Caracterização química das diversas amostras por RMN e GC-MS. Adaptado de Araujo et al. (2015).

 

A análise por GC-MS demonstrou que todas as amostras tinham perfis cromatográficos diferentes, o que permite concluir que estes são constituídos por misturas de várias substâncias com diferentes tempos de retenção. A análise por Ressonância magnética nuclear permitiu a elucidação estrutural das diversas substâncias presentes na amostra.

A maioria das substâncias detetadas pertencia à classe das catinonas sintéticas. No entanto, substâncias de outras classes foram encontradas nomeadamente, dimetocaína (derivado da cocaína), α-metilltriptamina ou, por exemplo, as amostras 26 e 27 que continham aminoalquil benzofuranos com uma estrutura similar a análogos das anfetaminas. Muitos pós referem a presença de cafeína provavelmente adicionada de forma a aumentar os efeitos estimulantes.

Outro objetivo do estudo consistia na avaliação in vitro da toxicidade hepática das catinonas sintéticas, uma vez que se sabe que o fígado é um dos órgãos alvo mais afectados pela toxicidade destes compostos. Os potenciais efeitos hepatotóxicos dos derivados de catinonas sintéticas foram avaliados em hepatócitos de ratazanas Wistar, após exposição destas células aos diferentes compostos em teste. O efeito citotóxico é determinado pelo ensaio de redução de MTT. Células viáveis com metabolismo ativo são capazes de converter o MTT, através de enzimas redutases mitocondriais, num produto de cor roxa que tem um máximo de absorvância a 570nm e que pode ser quantificado espectrofotometricamente. Quando a célula morre, esta perda a capacidade de converter o MTT e como tal, a formação da cor consiste num marcador viável da viabilidade celular. Diferentes concentrações crescentes das catinonas sintéticas foram efetuadas, avaliando-se posteriormente a percentagem de morte celular pelo método em cima descrito, estando os resultados evidenciados na figura 4.

 

Como é possível perceber pela imagem, a morte celular variava de uma forma dependente da concentração da catinona sintética em teste. Através da avaliação do valor de EC50 (concentração de catinona sintética que induz metade do efeito máximo) verificou-se, por exemplo, que a metilona e a 4-MEC possuem uma potência de efeito citotóxico semelhante mas que ambas são menos potentes que por exemplo o MDPV e a pentedrona. A pentedrona parece ser mais citotóxica que o MDPV em altas concentrações enquanto que o MDPV é o mais citotóxico de todos quando eram usadas baicas concentrações de composto.

Os investigadores compararam também o perfil cromatográfico de um pó e de um comprimido da mesma substância, na mesma concentração e preparado em condições idênticas. Verificou-se que a quantidade de catinonas na amostra de pó era significativamente mais elevada o que é coerente com o facto destes pós terem um preço de mercado significativamente mais elevado que os comprimidos.

Apesar de todas as medidas legislativas e de todos os relatos de efeitos secundários e de morte relacionados com o consumo de “sais de banho”, a verdade é que o consumo destas substâncias continua a ser muito apetecido atualmente. Assim, é necessário enaltecer a importância de novos testes toxicológicos com vista a melhor entender o potencial tóxico destas substâncias e dos adulterantes que podem estar associados.

 

Figura 4: Percentagem de morte celular nos hepatócitos de acordo com a concentração de diversos compostos. Retirado de Araujo et al. (2015)

BIBLIOGRAFIA

 

Araujo AM, Valente MJ, Carvalho M, et al. (2015) Raising awareness of new psychoactive substances: chemical analysis and in vitro toxicity screening of 'legal high' packages containing synthetic cathinones. Archives of toxicology 89(5):757-71 doi:10.1007/s00204-014-1278-7

 

Dargan PI, Albert S, Wood DM (2010) Mephedrone use and associated adverse effects in school and college/university students before the UK legislation change. QJM : monthly journal of the Association of Physicians 103(11):875-9 doi:10.1093/qjmed/hcq134

 

Davies S, Wood DM, Smith G, et al. (2010) Purchasing 'legal highs' on the Internet--is there consistency in what you get? QJM : monthly journal of the Association of Physicians 103(7):489-93 doi:10.1093/qjmed/hcq056

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